Os fiéis dez leitores do PoPa, sabem que ele não gosta de "corta e cola". Mas este artigo, que está sendo demonizado pela imprensa nacional, precisa ser lido na íntegra, não em pequenos trechos pinçados fora do contexto. Leia, pode ser o início viral de um processo de reformulação da oposição brasileira. Talvez até por isso, esteja sendo criticado violentamente pelo conhecido PIG (partido da imprensa governista...). Não é um simples artigo. É uma lição para as oposições. É um manual de orientação para a classe média retomar seu papel de influência, merecido porque tem cultura, inteligência e paga impostos.
O PAPEL DAS OPOSIÇÕES
 
Há muitos anos, na década de 1970, escrevi um artigo com o título acima  no jornal Opinião, que pertencia à chamada imprensa “nanica”, mas era  influente. Referia-me ao papel do MDB e das oposições não  institucionais. Na época, me parecia ser necessário reforçar a frente  única antiautoritária e eu conclamava as esquerdas não armadas,  sobretudo as universitárias, a se unirem com um objetivo claro: apoiar a  luta do MDB no Congresso e mobilizar a sociedade pela democracia. Só  dez anos depois a sociedade passou a atuar mais diretamente em favor dos  objetivos pregados pela oposição, aos quais se somaram também palavras  de ordem econômicas, como o fim do “arrocho” salarial. No entretempo,  vivia-se no embalo do crescimento econômico e da aceitação popular dos  generais presidentes, sendo que o mais criticado pelas oposições, em  função do aumento de práticas repressivas, o general Médici, foi o mais  popular: 75% de aprovação. 
Não obstante, não desanimávamos. Graças à persistência de algumas vozes,  como a de Ulisses Guimarães, às inquietações sociais manifestadas pelas  greves do final da década e ao aproveitamento pelos opositores de toda  brecha que os atropelos do exercício do governo, ou as dificuldades da  economia proporcionaram (como as crises do petróleo, o aumento da dívida  externa e a inflação), as oposições não calavam. Em 1974, o MDB até  alcançou expressiva vitória eleitoral em pleno regime autoritário. Por  que escrevo isso novamente, 35 anos depois? 
Para recordar que cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo de  escrever, se oporem ao governo. Mas para tal precisam afirmar posições,  pois, se não falam em nome de alguma causa, alguma política e alguns  valores, as vozes se perdem no burburinho das maledicências diárias sem  chegar aos ouvidos do povo. Todas as vozes se confundem e não faltará  quem diga – pois dizem mesmo sem ser certo – que todos, governo e  oposição, são farinhas do mesmo saco, no fundo “políticos”. E o que se  pode esperar dos políticos, pensa o povo, senão a busca de vantagens  pessoais, quando não clientelismo e corrupção? 
Diante do autoritarismo era mais fácil fincar estacas em um terreno  político e alvejar o outro lado. Na situação presente, as dificuldades  são maiores. Isso graças à convergência entre dois processos não  totalmente independentes: o “triunfo do capitalismo” entre nós (sob sua  forma global, diga-se) e a adesão progressiva – no começo envergonhada e  por fim mais deslavada – do petismo lulista à nova ordem e a suas  ideologias. Se a estes processos somarmos o efeito dissolvente que o  carisma de Lula produziu nas instituições, as oposições têm de se situar  politicamente em um quadro complexo. Complexidade crescente a partir  dos primeiros passos do governo Dilma que, com estilo até agora  contrastante com o do antecessor, pode envolver parte das classes  médias. Estas, a despeito dos êxitos econômicos e da publicidade  desbragada do governo anterior, mantiveram certa reserva diante de Lula.  Esta reserva pode diminuir com relação ao governo atual se ele, seja  por que razão for, comportar-se de maneira distinta do governo anterior.  É cedo para avaliar a consistência de mudanças no estilo de governar da  presidente Dilma. Estamos no início do mandato e os sinais de novos  rumos dados até agora são insuficientes para avaliar o percurso futuro.   
É preciso refazer caminhos 
Antes de especificar estes argumentos, esclareço que a maior  complexidade para as oposições se firmarem no quadro atual – comparando  com o que ocorreu no regime autoritário, e mesmo com o petismo durante  meu governo, pois o PT mantinha uma retórica semianticapitalista – não  diminui a importância de fincar a oposição no terreno político e dos  valores, para que não se perca no oportunismo nem perca eficácia e  sentido, aumentando o desânimo que leva à inação. É preciso, portanto,  refazer caminhos, a começar pelo reconhecimento da derrota: uma oposição  que perde três disputas presidenciais não pode se acomodar com a falta  de autocrítica e insistir em escusas que jogam a responsabilidade pelos  fracassos no terreno “do outro”. Não estou, portanto, utilizando o que  disse acima para justificar certa perplexidade das oposições, mas para  situar melhor o campo no qual se devem mover. 
Se as forças governistas foram capazes de mudar camaleonicamente a ponto  de reivindicarem o terem construído a estabilidade financeira e a  abertura da economia, formando os “cam¬peões nacionais” – as empresas  que se globalizam – isso se deu porque as oposições minimizaram a  capacidade de contorcionismo do PT, que começou com a Carta aos  Brasileiros de junho de 1994 e se desnudou quando Lula foi  simultaneamente ao Fórum Social de Porto Alegre e a Davos. Era o sinal  de “adeus às armas”: socialismo só para enganar trouxas,  nacional-desenvolvimentismo só como “etapa”. Uma tendência, contudo, não  mudou, a do hegemonismo, ainda assim, aceitando aliados de cabresto.  
Segmentos numerosos das oposições de hoje, mesmo no PSDB, aceitaram a  modernização representada pelo governo FHC com dor de consciência, pois  sentiam bater no coração as mensagens atrasadas do esquerdismo petista  ou de sua leniência com o empreguismo estatal. Não reivindicaram com  força, por isso mesmo, os feitos da modernização econômica e do  fortalecimento das instituições, fato muito bem exemplificado pela  displicência em defender os êxitos da privatização ou as políticas  saneadoras, ou de recusar com vigor a mentira repetida de que houve  compra de votos pelo governo para a aprovação da emenda da reeleição, ou  de denunciar atrasos institucionais, como a perda de autonomia e  importância das agências reguladoras. Da mesma maneira, só para dar mais  alguns exemplos, o Proer e o Proes, graças aos quais o sistema  financeiro se tornou mais sólido, foram solenemente ignorados, quando  não estigmatizados. Os efeitos positivos da quebra dos monopólios, o do  petróleo mais que qualquer outro, levando a Petrobras a competir e a  atuar como empresa global e não como repartição pública, não foram  reivindicados como êxitos do PSDB. O estupendo sucesso da Vale, da  Embraer ou das teles e da Rede Ferroviária sucumbiu no murmúrio  maledicente de “privatarias” que não existiram. A política de  valorização do salário mínimo, que se iniciou no governo Itamar Franco e  se firmou no do PSDB, virou glória do petismo. As políticas  compensatórias iniciadas no governo do PSDB – as bolsas – que o próprio  Lula acusava de serem esmolas e quase naufragaram no natimorto Fome Zero  – voltaram a brilhar na boca de Lula, pai dos pobres, diante do  silêncio da oposição e deslumbramento do país e… do mundo! 
Não escrevo isso como lamúria, nem com a vã pretensão de imaginar que é  hora de reivindicar feitos do governo peessedebista. Inês é morta, o  passado… passou. Nem seria justo dizer que não houve nas oposições quem  mencionasse com coragem muito do que fizemos e criticasse o lulismo. As  vozes dos setores mais vigorosos da oposição se estiolaram, entretanto,  nos muros do Congresso e este perdeu força política e capacidade de  ressonância. Os partidos se transformaram em clubes congressuais,  abandonando as ruas; muitos parlamentares trocaram o exercício do poder  no Congresso por um prato de lentilhas: a cada nova negociação para  assegurar a “governabilidade”, mais vantagens recebem os congressistas e  menos força político-transformadora tem o Congresso. Na medida em que a  maioria dos partidos e dos parlamentares foi entrando no jogo de fazer  emendas ao orçamento (para beneficiar suas regiões, interesses –  legítimos ou não – de entidades e, por fim, sua reeleição), o Congresso  foi perdendo relevância e poder. Consequentemente, as vozes  parlamentares, em especial as de oposição, que são as que mais precisam  da instituição parlamentar para que seu brado seja escutado, perderam  ressonância na sociedade. Com a aceitação sem protesto do “modo lulista  de governar” por meio de medidas provisórias, para que serve o Congresso  senão para chancelar decisões do Executivo e receber benesses?  Principalmente, quando muitos congressistas estão dispostos a fazer o  papel de maioria obediente a troco da liberação pelo Executivo das  verbas de suas emendas, sem esquecer que alguns oposicionistas embarcam  na mesma canoa. 
Ironicamente, uma importante modificação institucional, a  descentralização da ação executiva federal, estabelecida na Constituição  de 1988 e consubstanciada desde os governos Itamar Franco e FHC, diluiu  sua efetividade técnico-administrativa em uma pletora de recursos  orçamentários “carimbados”, isto é, de orientação político-clientelista  definida, acarretando sujeição ao Poder Central, ou, melhor, a quem o  simboliza pessoalmente e ao partido hegemônico. Neste sentido, diminuiu o  papel político dos governadores, bastião do oposicionismo em estados  importantes, pois a relação entre prefeituras e governo federal saltou  os governos estaduais e passou a se dar mais diretamente com a  presidência da República, por meio de uma secretaria especial colada ao  gabinete presidencial.  
Como, por outra parte, existe – ou existiu até há pouco – certa folga  fiscal e a sociedade passa por período de intensa mobilidade social  movida pelo dinamismo da economia internacional e pelas políticas de  expansão do mercado interno que geram emprego, o desfazimento  institucional produzido pelo lulismo e a difusão de práticas  clientelísticas e corruptoras foram sendo absorvidos, diante da  indiferença da sociedade. Na época do mensalão, houve um início de  desvendamento do novo Sistema (com S maiúsculo, como se escrevia para  descrever o modelo político criado pelos governos militares). Então,  ainda havia indignação diante das denúncias que a mídia fazia e os  partidos ecoa¬vam no Parlamento. Pouco a pouco, embora a mídia continue a  fazer denúncias, a própria opinião pública, isto é, os setores da  opinião nacional que recebem informações, como que se anestesiou. Os  cidadãos cansaram de ouvir tanto horror perante os céus sem que nada  mude. 
Diante deste quadro, o que podem fazer as oposições? 
Definir o público a ser alcançado
Em primeiro lugar, não manter ilusões: é pouco o que os partidos podem  fazer para que a voz de seus parlamentares alcance a sociedade. É  preciso que as oposições se deem conta de que existe um público distinto  do que se prende ao jogo político tradicional e ao que é mais atingido  pelos mecanismos governamentais de difusão televisiva e midiática em  geral. As oposições se baseiam em partidos não propriamente  mobilizadores de massas. A definição de qual é o outro público a ser  alcançado pelas oposições e como fazer para chegar até ele e ampliar a  audiência crítica é fundamental. Enquanto o PSDB e seus aliados  persistirem em disputar com o PT influência sobre os “movimentos  sociais” ou o “povão”, isto é, sobre as massas carentes e pouco  informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo “aparelhou”, cooptou  com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os  movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de  concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra  dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas  publicitárias. 
Sendo assim, dirão os céticos, as oposições estão perdidas, pois não  atingem a maioria. Só que a realidade não é bem essa. Existe toda uma  gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de  novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas  ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos  serviços espalhados pelo Brasil afora, às quais se soma o que vem sendo  chamado sem muita precisão de “classe C” ou de nova classe média. Digo  imprecisamente porque a definição de classe social não se limita às  categorias de renda (a elas se somam educação, redes sociais de conexão,  prestígio social, etc.), mas não para negar a extensão e a importância  do fenômeno. Pois bem, a imensa maioria destes grupos – sem excluir as  camadas de trabalhadores urbanos já integrados ao mercado capitalista –  está ausente do jogo político-partidário, mas não desconectada das redes  de internet, Facebook, YouTube, Twitter, etc. É a estes que as  oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente, sobretudo no  período entre as eleições, quando os partidos falam para si mesmo, no  Congresso e nos governos. Se houver ousadia, os partidos de oposição  podem organizar-se pelos meios eletrônicos, dando vida não a diretórios  burocráticos, mas a debates verdadeiros sobre os temas de interesse  dessas camadas. 
Mas não é só isso: as oposições precisam voltar às salas universitárias,  às inúmeras redes de palestras e que se propagam pelo país afora e não  devem, obviamente, desacreditar do papel da mídia tradicional: com toda a  modernização tecnológica, sem a sanção derivada da confiabilidade, que  só a tradição da grande mídia assegura, tampouco as mensagens, mesmo que  difundidas, se transformam em marcas reconhecidas. Além da persistência  e ampliação destas práticas, é preciso buscar novas formas de atuação  para que a oposição esteja presente, ou pelo menos para que entenda e  repercuta o que ocorre na sociedade. Há inúmeras organizações de bairro,  um sem-número de grupos musicais e culturais nas periferias das grandes  cidades, etc., organizações voluntárias de solidariedade e de protesto,  redes de consumidores, ativistas do meio ambiente, e por aí vai, que  atuam por conta própria. Dado o anacronismo das instituições  político-partidárias, seria talvez pedir muito aos partidos que  mergulhem na vida cotidiana e tenham ligações orgânicas com grupos que  expressam as dificuldades e anseios do homem comum. Mas que pelo menos  ouçam suas vozes e atuem em consonância com elas. 
Não deve existir uma separação radical entre o mundo da política e a  vida cotidiana, nem muito menos entre valores e interesses práticos. No  mundo interconectado de hoje, vê-se, por exemplo, o que ocorre com as  revoluções no meio islâmico, movimentos protestatários irrompem sem uma  ligação formal com a política tradicional. Talvez as discussões sobre os  meandros do poder não interessem ao povo no dia-a-dia tanto quanto os  efeitos devastadores das enchentes ou o sufoco de um trânsito que não  anda nas grandes cidades. Mas, de repente, se dá um “curto-circuito” e o  que parecia não ser “política” se politiza. Não foi o que ocorreu nas  eleições de 1974 ou na campanha das “diretas já”? Nestes momentos, o  pragmatismo de quem luta para sobreviver no dia-a-dia lidando com  questões “concretas” se empolga com crenças e valores. O discurso,  noutros termos, não pode ser apenas o institucional, tem de ser o do  cotidiano, mas não desligado de valores. Obviamente em nosso caso, o de  uma democracia, não estou pensando em movimentos contra a ordem política  global, mas em aspirações que a própria sociedade gera e que os  partidos precisam estar preparados para que, se não os tiverem suscitado  por sua desconexão, possam senti-los e encaminhá-los na direção  política desejada. 
Seria erro fatal imaginar, por exemplo, que o discurso “moralista” é  coisa de elite à moda da antiga UDN. A corrupção continua a ter o  repúdio não só das classes médias como de boa parte da população. Na  última campanha eleitoral, o momento de maior crescimento da candidatura  Serra e de aproximação aos resultados obtidos pela candidata governista  foi quando veio à tona o “episódio Erenice”. Mas é preciso ter coragem  de dar o nome aos bois e vincular a “falha moral” a seus resultados  práticos, negativos para a população. Mais ainda: é preciso persistir,  repetir a crítica, ao estilo do “beba Coca Cola” dos publicitários. Não  se trata de dar-nos por satisfeitos, à moda de demonstrar um teorema e  escrever “cqd”, como queríamos demonstrar. Seres humanos não atuam por  motivos meramente racionais. Sem a teatralização que leve à emoção, a  crítica – moralista ou outra qualquer – cai no vazio. Sem Roberto  Jefferson não teria havido mensalão como fato político.  
Qual é a mensagem? 
Por certo, os oposicionistas para serem ouvidos precisam ter o que  dizer. Não basta criar um público, uma audiência e um estilo, o conteúdo  da mensagem é fundamental. Qual é a mensagem? O maior equívoco das  oposições, especialmente do PSDB, foi o de haver posto à margem as  mensagens de modernização, de aggiornamento do País, e de clara defesa  de uma sociedade democrática comprometida com causas universais, como os  direitos humanos e a luta contra a opressão, mesmo quando esta vem  mascarada de progressismo, apoiada em políticas de distribuição de  rendas e de identificação das massas com o Chefe. Nas modernas  sociedades democráticas, por outro lado, o Estado tanto mantém funções  na regulação da economia como em sua indução, podendo chegar a exercer  papel como investidor direto. Mas o que caracteriza o Estado em uma  sociedade de massas madura é sua ação democratizadora. Os governos devem  tornar claros, transparentes, e o quanto possível imunes à corrupção,  os mecanismos econômicos que cria para apoiar o desenvolvimento da  economia. Um Estado moderno será julgado por sua eficiência para ampliar  o acesso à educação, à saúde e à previdência social, bem como pela  qualidade da segurança que oferece às pessoas. Cabe às oposições serem a  vanguarda nas lutas por estes objetivos.  
Defender o papel crescente do Estado nas sociedades democráticas,  inclusive em áreas produtivas, não é contraditório com a defesa da  economia de mercado. Pelo contrário, é preciso que a oposição diga alto e  bom som que os mecanismos de mercado, a competição, as regras jurídicas  e a transparência das decisões são fundamentais para o Brasil se  modernizar, crescer economicamente e se desenvolver como sociedade  democrática. Uma sociedade democrática amadurecida estará sempre  comprometida com a defesa dos direitos humanos, com a ecologia e com o  combate à miséria e às doenças, no país e em toda a parte. E compreende  que a ação isolada do Estado, sem a participação da sociedade, inclusive  dos setores produtivos privados, é insuficiente para gerar o bem-estar  da população e oferecer bases sólidas para um desenvolvimento econômico  sustentado. 
Ao invés de se aferrarem a esses valores e políticas que lhes eram  próprios como ideologia e como prática, as oposições abriram espaço para  que o lulopetismo ocupasse a cena da modernização econômica e social.  Só que eles têm os pés de barro: a cada instante proclamam que as  privatizações “do PSDB” foram contra a economia do País, embora comecem a  fazer descaradamente concessões de serviços públicos nas estradas e nos  aeroportos, como se não estivessem fazendo na prática o mea-culpa. Cabe  às oposições não apenas desmascarar o cinismo, mas, sobretudo, cobrar o  atraso do País: onde está a infraestrutura que ficou bloqueada em seus  avanços pelo temor de apelar à participação da iniciativa privada nos  portos, nos aeroportos, na geração de energia e assim por diante? Quão  caro já estamos pagando pela ineficiência de agências reguladoras  entregues a sindicalistas “antiprivatizantes” ou a partidos  clientelistas, como se tornou o PCdoB, que além de vender benesses no  ministério dos Esportes, embota a capacidade controladora da ANP, que  deveria evitar que o monopólio voltasse por vias transversas e  prejudicasse o futuro do País. 
Oposição precisa vender o peixe 
Dirão novamente os céticos que nada disso interessa diretamente ao povo.  Ora, depende de como a oposição venda o peixe. Se tomarmos como alvo,  por exemplo, o atraso nas obras necessárias para a realização da Copa e  especializarmos três ou quatro parlamentares ou técnicos para martelar  no dia-a-dia, nos discursos e na internet, o quanto não se avança nestas  áreas por causa do burocratismo, do clientelismo, da corrupção ou  simplesmente da viseira ideológica que impede a competição construtiva  entre os setores privados e destes com os monopólios, e se mostrarmos à  população como ela está sendo diretamente prejudicada pelo estilo  petista de política, criticamos este estilo de governar, suscitamos o  interesse popular e ao mesmo tempo oferecemos alternativas.  
Na vida política tudo depende da capacidade de politizar o apelo e de  dirigi-lo a quem possa ouvi-lo. Se gritarmos por todos os meios  disponíveis que a dívida interna de R$ 1,69 trilhão (mostrando com  exemplos ao que isto corresponde) é assustadora, que estamos pagando R$  50 bilhões por ano para manter reservas elevadas em dólares, que pagamos  a dívida (pequena) ao FMI sobre a qual incidiam juros moderados,  trocando-a por dívidas em reais com juros enormes, se mostrarmos o  quanto custa a cada contribuinte cada vez que o Tesouro transfere ao  BNDES dinheiro que o governo não tem e por isso toma emprestado ao  mercado pagando juros de 12% ao ano, para serem emprestados pelo BNDES a  juros de 6% aos grandes empresários nacionais e estrangeiros, temos  discurso para certas camadas da população. Este discurso deve desvendar,  ao mesmo tempo, o porquê do governo assim proceder: está criando um  bloco de poder capitalista-burocrático que sufoca as empresas médias e  pequenas e concentra renda.  
Este tipo de política mostra descaso pelos interesses dos assalariados,  dos pequenos produtores e profissionais liberais de tipo antigo e novo,  setores que, em conjunto, custeiam as benesses concedidas ao grande  capital com impostos que lhe são extraídos pelo governo. O lulopetismo  não está fortalecendo o capitalismo em uma sociedade democrática, mas  sim o capitalismo monopolista e burocrático que fortalece privilégios e  corporativismos.  
Com argumentos muito mais fracos o petismo acusou o governo do PSDB  quando, em fase de indispensável ajuste econômico, aumentou a dívida  interna (ou, melhor, reconheceu os “esqueletos” compostos por dívidas  passadas) e usou recursos da privatização – todos contabilizados – para  reduzir seu crescimento. A dívida pública consolidada do governo lulista  foi muito maior do que a herdada por este do governo passado e, no  entanto, a opinião pública não tomou conhecimento do fato. As oposições  não foram capazes de politizar a questão. E o que está acontecendo agora  quando o governo discute substituir o fator previdenciário, recurso de  que o governo do PSDB lançou mão para mitigar os efeitos da derrota  sofrida para estabelecer uma idade mínima de aposentadoria? Propondo a  troca do fator previdenciário pela definição de… uma idade mínima de  aposentadoria. 
Petistas camaleões 
Se os governistas são camaleões (ou, melhor, os petistas, pois boa parte  dos governistas nem isso são: votavam com o governo no passado e  continuam a votar hoje, como votarão amanhã), em vez de saudá-los porque  se aproximam da racionalidade ou de votarmos contra esta mesma  racionalidade, negando nossas crenças de ontem, devemos manter a  coerência e denunciar as falsidades ideológicas e o estilo de política  de mistificação dos fatos, tantas vezes sustentado pelo petismo. 
São inumeráveis os exemplos sobre como manter princípios e atuar como  uma oposição coerente. Mesmo na questão dos impostos, quando o PSDB e o  DEM junto com o PPS ajudaram a derrubar a CPMF, mostraram que,  coerentes, dispensaram aquele imposto porque ele já não era mais  necessário, como ficou demonstrado pelo contínuo aumento da receita  depois de sua supressão. É preciso continuar a fazer oposição à  continuidade do aumento de impostos para custear a máquina  público-partidária e o capitalismo burocrático dos novos dinossauros. É  possível mostrar o quanto pesa no bolso do povo cada despesa feita para  custear a máquina público-partidária e manter o capitalismo burocrático  dos novos dinossauros. E para ser coerente, a oposição deve lutar desde  já pela redução drástica do número de cargos em comissão, nomeados  discricionariamente, bem como pelo estabelecimento de um número máximo  de ministérios e secretarias especiais, para conter a fúria de  apadrinhamento e de conchavos partidários à custa do povo. 
Em suma: não há oposição sem “lado”. Mais do que ser de um partido, é  preciso “tomar partido”. É isso que a sociedade civil faz nas mais  distintas matérias. O que o PSDB pensa sobre liberdade e pluralidade  religiosa? Como manter a independência do Estado laico e, ao mesmo  tempo, prestigiar e respeitar as religiões que formam redes de coesão  social, essenciais para a vida em sociedade? O que pensa o partido sobre  o combate às drogas? É preciso ser claro e sincero: todas as drogas  causam danos, embora de alcance diferente. Adianta botar na cadeia os  drogados?  
Sinceridade comove a população 
Há casos nos quais a regulação vale mais que a proibição: veja-se o  tabaco e o álcool, ambos extremadamente daninhos. São não apenas  regulados em sua venda e uso (por exemplo, é proibido fumar em locais  fechados ou beber depois de uma festa e guiar automóveis) como  estigmatizados por campanhas publicitárias, pela ação de governos e das  famílias. Não seria o caso de fazer a mesma coisa com a maconha, embora  não com as demais drogas muito mais danosas, e concentrar o fogo  policial no combate aos traficantes das drogas pesadas e de armas? Se  disso ainda não estivermos convencidos, pelo menos não fujamos à  discussão, que já corre solta na sociedade. Sejamos sinceros: é a  sinceridade que comove a população e não a hipocrisia que pretende não  ver o óbvio. 
Se a regra é ser sincero, por que temer ir fundo e avaliar o que nós  próprios fizemos no passado, acreditando estar certos, e que continua  sendo feito, mas que requer uma revisão? Tome-se o exemplo da reforma  agrária e dos programas de incentivo à economia familiar. Fomos nós do  PSDB que recriamos o Ministério da Reforma Agrária e, pela primeira vez,  criamos um mecanismo de financiamento da agricultura familiar, o  Pronaf. Nenhum governo fez mais em matéria de acesso à terra do que o do  PSDB quando a pasta da Reforma era dirigida por um membro do PPS. Não  terá chegado a hora de avaliar os resultados? O Pronaf não estará se  transformando em mecanismo de perpétua renovação de dívidas, como os  grandes agricultores faziam no passado com suas dívidas no Banco do  Brasil? Qual é o balanço dos resultados da reforma agrária? E as  acusações de “aparelhamento” da burocracia pelo PT e pelo MST são de  fato verdadeiras? Sem que a oposição afirme precipitadamente que tudo  isso vai mal – o que pode não ser correto – não pode temer buscar a  verdade dos fatos, avaliar, julgar e criticar para corrigir. 
Existe matéria em abundância para manter os princípios e para ir fundo  nas críticas sem temer a acusação injusta de que se está defendendo “a  elite”. Mas política não é tese universitária. É preciso estabelecer uma  agenda. Geralmente esta é dada pelo governo. Ainda assim, usemo-la para  concentrar esforços e dar foco, repetição e persistência à ação  oposicionista. Tomemos um exemplo, o da reforma política, tema que o  governo afirma estar disposto a discutir. Pois bem, o PSDB tem posição  firmada na matéria: é favorável ao voto distrital (misto ou puro, ainda é  questão indefinida). Se é assim, por que não recusar de plano a  proposta da “lista fechada”, que reforça a burocracia partidária, não  diminui o personalismo (ou alguém duvida que se pedirão votos para a  lista “do Lula”?) e separa mais ainda o eleitor dos representantes?  
Compromisso com o voto digital 
Não é preciso afincar uma posição de intransigência: mantenhamos o  compromisso com o voto distrital, façamos a pregação. Se não dispusermos  de forças para que nossa tese ganhe, aceitemos apenas os melhoramentos  óbvios no sistema atual: cláusula de desempenho (ou de barreira),  proibição de coligações nas eleições proporcionais e regras de  fidelidade partidária, ainda que para algumas destas medidas seja  necessário mudança constitucional. Deixemos para outra oportunidade a  discussão sobre financiamento público das campanhas, pois sem a  distritalização o custo para o contribuinte será enorme e não se  impedirá o financiamento em “caixa preta” nem o abuso do poder  econômico. Mas denunciemos o quanto de antidemocrático existe no voto em  listas fechadas. Em suma: não será esta uma boa agenda para a oposição  firmar identidade, contrapor-se à tendência petista de tudo burocratizar  e, ao mesmo tempo, não se encerrar em um puro negativismo aceitando  modificações sensatas? 
Por fim, retomando o que disse acima sobre o “triunfo do capitalismo”. O  governo do PT e o próprio partido embarcaram, sem dizer, na adoração do  bezerro de ouro. Mas, marcados pelos cacoetes do passado, não  perceberam que o novo na fase contemporânea do capitalismo não é apenas a  acumulação e o crescimento da economia. Os grandes temas que se estão  desenhando são outros e têm a ver com o interesse coletivo: como  expandir a economia sem destroçar o meio ambiente, como assegurar  direitos aos destituídos deles, não só pela pobreza, mas pelas  injustiças (desigualdades de gênero, de raça, de acesso à cultura)?  Persistem preocupações antigas: como preservar a Paz em um mundo no qual  há quem disponha da bomba nuclear?  
A luta pela desnuclearização tem a ver com o sentido de um capitalismo  cuja forma “selvagem” a sociedade democrática não aceita mais. Esta nova  postura é óbvia no caso da ecologia, pois o natural egoísmo dos  Estados, na formulação clássica, se choca com a tese primeira, a da  perpetuação da vida humana. O terror atômico e o aquecimento global põem  por terra visões fincadas no terreno do nacional-estatismo arcaico.  Há  um nacionalismo de novo tipo, democrático, aberto aos desafios do mundo  e integrado nele, mas alerta aos interesses nacionais e populares.  Convém redefinir, portanto, a noção do interesse nacional, mantendo-o  persistente e alerta no que é próprio aos interesses do País, mas  compatibilizando-o com os interesses da humanidade. 
Estas formulações podem parecer abstra¬tas, embora se traduzam no  dia-a-dia: no Brasil, ninguém discute sobre qual o melhor modo de nossa  presença no mundo: será pelo velho caminho armamentista,  nuclearizando--nos, ou nossas imensas vantagens comparativas em outras  áreas, entre elas as do chamado soft power, podem primar? Por exemplo,  nossa “plasticidade cultural mestiça”, a aceitação das diferenças  raciais – sem que se neguem e combatam as desigualdades e preconceitos  ainda existentes – não são um ganho em um mundo multipolar e  multicultural? E a disponibilidade de uma matriz energética limpa, sem  exageros de muitas usinas atômicas (sempre perigosas), bem como os  avanços na tecnologia do etanol, não nos dão vantagens? Por que não  discutir, a partir daí, o ritmo em que exploraremos o pré-sal e as  obscuras razões para a “estatização do risco e divisão do lucro” entre a  Petrobras e as multinacionais por meio do sistema de partilha? São  questões que não exploramos devidamente, ou cujas decisões estão longe  de ser claramente compatíveis com o interesse nacional de longo prazo. 
Falta de estratégia 
Na verdade, falta-nos estratégia. Estratégia não é plano de ação: é o  peso relativo que se dá às questões desafiadoras do futuro somado à  definição de como as abordaremos. Que faremos neste novo mundo para  competir com a China, com os Estados Unidos ou com quem mais seja? Como  jogar com nossos recursos naturais (petróleo à frente) como fator de  sucesso e poder sem sermos amanhã surpreendidos pelo predomínio de  outras fontes de energia? E, acima de tudo, como transformar em  políticas o anseio por uma “revolução educacional” que dê lugar à  criatividade, à invenção e aos avanços das tecnologias do futuro?  
A China, ao que parece, aprendeu as lições da última crise e está  apostando na inovação, preparando-se para substituir as fontes  tradicionais de energia, sobretudo o petróleo, de que não dispõe em  quantidade suficiente para seu consumo crescente. E os próprios Estados  Unidos, embora atônitos com os erros acumulados desde a gestão Bush,  parecem capazes de continuar inovando, se conseguirem sair depressa da  crise financeira que os engolfou. 
De tudo isso o PT e seus governos falam, mas em ziguezague. As amarras a  uma visão oposta, vinda de seu passado recente, os inibem para avançar  mais. Não é hora das oposições serem mais afirmativas? E se por acaso,  como insinuei no início deste artigo, houver divisões no próprio campo  do petismo por causa da visão canhestra de muitos setores que apoiam o  governo e de suas necessidades práticas o levarem a direções menos  dogmáticas? Neste caso, embora seja cedo para especular, terá a oposição  inteireza e capacidade política para aproveitar as circunstâncias e  acelerar a desagregação do antigo e apostar no novo, no fortalecimento  de uma sociedade mais madura e democrática? 
Engana-se quem pensar que basta manter a economia crescendo e oferecer  ao povo a imagem de uma sociedade com mobilidade social. Esta, ao  ocorrer, aumenta as demandas tanto em termos práticos, de salários e  condições de vida, como culturais. Em um mundo interconectado pelos  modernos meios de comunicação o cidadão comum deseja saber mais,  participar mais e avaliar por si se de fato as diferenças econômicas e  sociais estão diminuindo. Sem, entretanto, uma oposição que se oponha ao  triunfalismo lulista, que coroa a alienação capitalista,  desmistificando tudo o que seja mera justificativa publicitária do poder  e chamando a atenção para os valores fundamentais da vida em uma  sociedade democrática, só ocorrerão mudanças nas piores condições:  quando a fagulha de alguma insatisfação produzir um curto-circuito.  Mesmo este adiantará pouco se não houver à disposição uma alternativa  viável de poder, um caminho preparado por lideranças nas quais a  população confie.  
No mundo contemporâneo este caminho não se constrói apenas por partidos  políticos, nem se limita ao jogo institucional. Ele brota também da  sociedade, de seus blogs, twitters, redes sociais, da mídia, das  organizações da sociedade civil, enfim, é um processo coletivo. Não  existe apenas uma oposição, a da arena institucional; existem vários  focos de oposição, nas várias dimensões da sociedade. Reitero: se as  oposições institucionais não forem capazes de se ligar mais diretamente  aos movimentos da vida, que pelo menos os ouçam e não tenham a pretensão  de imaginar que pelo jogo congressual isolado alcançarão resultados  significativos. Os vários focos de insatisfação social, por sua vez,  também podem se perder em demandas específicas a serem atendidas  fragmentariamente pelo governo se não encontrarem canais institucionais  que expressem sua vontade maior de transformação. As oposições  políticas, por fim, se nada ou pouco tiverem a ver com as múltiplas  demandas do cotidiano, como acumularão forças para ganhar a sociedade?
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, sociólogo, foi presidente da República  (1995–2003) e é presidente de honra do PSDB.